Doce de Pimenta

No final da década de 70 Elis Regina e Rita Lee cantavam a música “Doce de Pimenta” que tinha em sua essência uma letra bem peculiar: Cada um vive como pode/ E eu não nasci pra sofrer/ Cara feia pra mim é fome/ E eu não faço manha pra comer. Pois é, eu tampouco nasci para sofrer e se eu sentir que um bicho também me mordeu, SOU MAIS ARDIDO QUE PIMENTA.
Há cerca de um mês atrás, vários amigos no Facebook, compartilharam uma notícia sobre um garoto, da minha cidade, que havia sido agredido por um grupo de “pessoas” pelo fato de ser homossexual. Logo me veio uma frase que às vezes ouço. Não seja tímido, tenho certeza que você conhece, não vai falar? Ok! Eu falo: “PODE SER GAY, MAS NÃO PRECISA SER BICHA” — lembrou né? Com essa máxima nós não só assinamos nossos currículos de bestas, como também estigmatizamos um comportamento, e legitimamos a violência contra LGBTs. O garoto só tinha 17 anos de idade. Se ao ler isso você não consegue sentir nojo ou no mínimo um refluxo, esse texto é pra você.
Poderia ser eu, ou poderia ter sido um amigo meu, poderia até ter sido com você. Quantos amigos já me relataram que sofreram algum tipo de violência por expressarem em público seus relacionamentos? A mensagem é simples: “Nosso amor não cheira mais a naftalina e não vamos nos esconder da luz do sol, se você tem algum problema com nossas mãos dadas o problema não é a gente, é você!”.
Eu tive dois namorados, e com nenhum deles eu tive um abraço sequer, num espaço público. O primeiro namorado adorava me abraçar, uns abraços fortes, mas só da porta da casa dele pra dentro. O segundo me dava à mão quando não tinha ninguém passando na rua tarde da noite, se algum carro se aproximava ele depressa soltava a minha mão e improvisava um semblante blasé. Não os culpo, fomos construídos nesta política do amor reprimido. Tive que esperar 21 anos para ganhar um abraço, e foi logo de um cara que eu acabara de conhecer. Ele furou minha bolha-preconceituosa-anti-olhares-desaprovadores dentro de um supermercado e essa é a melhor recordação que tenho quando o tema é demonstrações de afeto. Talvez você cisgênero e heterossexual não entenda porque um abraço que não durou 10 segundos fez tanto sendo tão pouco. Afinal você nunca se viu obrigado a ir ao cinema, num primeiro ou segundo encontro, só pra poder dar as mãos e talvez uns beijos na sua garota. Conta-me quantos olhares te fuzilaram enquanto você abraçava sua namorada e de mãos dadas foram tomar um sorvete? Nenhum né! Você é um privilegiado meu caro, goza de uma liberdade que eu e muitos outros não possuímos, pois o medo de apanhar só por andar de mãos dadas e tomar um sorvete às vezes fala mais alto.
Cresci ouvindo que ia pro inferno, muito antes de aprender a mandar pro inferno. Nenhum pai ou mãe senta com você e te explica que “tá beleza” você ser gay, que sentir atração pelo mesmo sexo não tem problema, que existem diversas maneiras de vivenciar a sexualidade e a sua é só mais uma num repertório variado, a sexualidade é um prisma com vários tipos de cores às vezes não tão tradicionais. Aprendi na marra, aprendi com dúvidas, aprendi inseguro, aprendi com medo mesmo, medo de existir um Deus em cima de nós pronto pra me aniquilar quando finalmente beijasse um cara. Medo de perder todos meus amigos. Hoje, talvez, eu ache graça, mas naquela época eu estava aterrorizado. Não sucumbi. Somos todos estrelas de uma mesma abóboda celeste e quando você fala “não tenho preconceito, MAS…” Você apaga uma estrela deste céu. E não iremos parar até estarmos na escuridão, a escuridão que você vive por ser tão preconceituoso. A escuridão que te cega e te faz agir como um animal selvagem lutando por alimento numa savana. A escuridão que não te deixa repensar o quão primitivo são seus modos.
Em 2014 a cada 27 horas um LGBT era assinado. São Paulo e Minas Gerais lideravam o vergonhoso ranking dos homicídios. Você quer ainda justificar seu comportamento homofóbico chamando nossos apelos por igualdade de “vitimização“? — SABE DE NADA INOCENTE. Que preguiça de você que não entende nada de posições de privilégios e relações de poder. Camarada eu não estou falando de tão-só rirem ou colocarem apelidinhos maldosos não! Eu estou falando de entrar na porrada (sendo bem otimista) por causa de um carinho no cabelo numa pracinha de bairro.
Recentemente saiu um estudo que apontava um tal gene como responsável pela homossexualidade. Sim! Gastam dinheiro neste tipo de pesquisa. Doenças ainda sem cura, guerras, fome e pobreza extrema. Mas o bicho homem no auge da intelectualização da sua psiquê ainda busca soluções para questões que já estão resolvidas. Era mais lucrativo ter investido essa grana toda em educação, conscientização e assim diminuir as mortes e aumentar as horas de um grupo composto por milhares de pessoas, assim como você, com sonhos, expectativas, que querem viver e não só existirem. Vamos estudar para reprimir um gene sim, mas vai ser o da ignorância.
Agora eu te pergunto, dá pra ser feliz abrindo o Facebook numa quarta de manhã e ver sangue inocente escorrendo pelos posts do meu feed de notícias? Moro numa cidade disfarçada de liberal, com pessoas em prol da humanidade, mas contra os humanos. Só que pra sua alma inquieta e intolerante eu tenho más notícias, essas milhares de vozes oprimidas pelas horas não irão se calar. Você provavelmente irá fechar essa página e voltar pra sua vidinha tranquila, enquanto eu vou voltar pra minha e torcer pra que nada de ruim me acontece na saída da balada gay do final de semana. Vou torcer pra não encherem o saco, quando quiser abraçar quem for em público, e torcer mais ainda pra que você depois de me ler, não ache mais engraçado uma pessoa só porque vocês dois não pensam da mesma forma. O meu texto não é uma afronta à sociedade machista-homofóbica-patriarcal-conservadora, muito menos um choro. Meu texto é de vida e não de morte. 

1 comentário

  1. Larissa · dezembro 9, 2015

    A oposição chora nesse momento, que texto FODA, engulam seus preconceitos pq nossos ideais ngm abala 👊✌

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